Depois de cerca 34 anos de trabalho como psicoterapeuta, desacelero o ritmo e faço uma reflexão sobre minha profissão e principalmente sobre minha atuação profissional.
Não estou questionando os meus psicoterapeutas, porque eles fizeram e fazem o melhor por mim.
Sou muito grata a essas pessoas que me acolheram, me questionaram, me instigaram, me informaram e me auxiliaram a ampliar minha consciência.
Eu estou questionando a minha profissão sim, mas sentada na cadeira do psicoterapeuta.
E eu?
Será que consigo estar saudável e ser útil em minha profissão?
Já atendi “esquilhões” de pessoas e acredito que muitas delas não saíram “melhores” de meu consultório.
Também sei que muitas saíram insatisfeitas com minha atuação, esperavam mais de mim ou imaginaram que eu faria algo de melhor para a vida delas.
E muitas pessoas que eu atendi, não consegui sequer entender o seu pedido de ajuda.
E outras, hoje eu entendo que na verdade não tinham nenhum pedido de ajuda…
Mas a muitas pessoas, peço desculpas na posição de psicoterapeuta, de não ter diferenciado o que era uma dor (sentimento) daquilo que era um sofrimento (pensação). Sofrimento esse que tinha grande validade no jogo de poder que imaginariamente tinham com a vida.
Posso entender hoje que “forcei a barra” para que uma mudança acontecesse. E posso ter prejudicado muitas pessoas com esta minha equivocada ideia de ajuda.
Depois de refletir e sair da zona de (des)conforto em que me coloquei profissionalmente – o lugar do suposto saber – concluo que durante muitos e muitos anos eu realmente acreditei nessa ilusão.
Este foi o pior dos meus pecados profissionais.
Acreditar que eu deveria saber tudo.
E avançando mais na minha tolice, eu acreditava que deveria fazer tudo!
Ah! Essa vaidade humana, que me pegou de jeito.
Daí a cometer muitas tolices profissionais foi fácil.
Muitas vezes, me empenhei ao máximo em “resolver” problemas que meus clientes (alguns profissionais chamam de pacientes) não tinham ainda o desejo de resolvê-los, porque não eram problemas e sim resoluções inadequadas que criaram para outros problemas (piores?) que eles não queriam enfrentar. Direito deles!
Até então, eu não entendia que problemas não existem. O que existe é uma forma rígida de vermos determinada situação. Então problemas para serem resolvidos, primeiro devem ser solucionados – diluídos, solúveis, menos densos.
Também não entendia que em geral o sintoma é um mal menor para aquele sistema, para aquela pessoa. O mal maior é outra coisa, algo mais vergonhoso ou talvez mais trabalhoso, que eu como psicoterapeuta, não terei a menor ideia, caso meu cliente não me permita acessar.
Aqui me lembro de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, em Grande Sertão:Veredas, quando diz:
“…Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.
O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre
– o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira,
e eu rastreio essa por fundo de todos os matos. Amém!”
Muito diferente de Riobaldo, a minha crença de que eu deveria saber tudo e não desconfiar de nada, me deixou numa vaidosa acomodação e então eu “rastreiava” pouco.
Para quê desconfiar, rastreiar, farejar, se criando alguma interessante hipótese a respeito da questão do cliente, me deixava sempre no meu lugar de poder – o tal lugar do “suposto saber”?
Eu treinava bem, estudava muito, lia todas as teorias e qualquer questão que chegava em meu consultório, eu estava preparada e tinha uma boa resposta.
Realmente respostas não me faltavam, mas me faltavam boas perguntas, sistêmicas e reflexivas.
Por fim, e já não era sem tempo, venho me desprendendo deste vaidoso lugar do “suposto saber” e aprendendo que a primeira pergunta que devo fazer a uma pessoa que entra em meu consultório é:
EM QUE POSSO AJUDAR?
Ou variações em torno desta pergunta como exemplo:
-
foi você que resolveu pedir ajuda ou foi alguém que disse que você deveria buscar uma ajuda?
-
Você é uma pessoa que pede ajuda?
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A quem você já pediu ajuda?
-
Essa pessoa ou profissional que você procurou antes, conseguiu te ajudar em alguma coisa?
-
Essa pessoa ficou te devendo alguma coisa?
-
Se eu puder te ajudar, e eu não sei se posso, o que realmente seria uma ajuda válida para você?